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Quantos celulares uma pessoa tem na vida?

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Para ler ouvindo: Quem procura, Filarmônica de Pasárgada

Mesmo vivendo há tantos anos na cidade de São Paulo, e tendo o hábito de andar sozinha à noite em lugares “perigosos” (citação do meu pai), eu costumava me gabar, não muito ajuizadamente, de nunca ter sido roubada. Sem juízo e sem razão, na verdade, porque há alguns anos, quando procurava um apartamento na região da Liberdade, um menino de rua roubou os meus óculos escuros. Nada de muito valor, afinal eram comprados de segunda mão e estavam até quebrados, e tenho certeza de que ele fez isso mais pela excitação da molecagem do que pelo valor do produto do roubo. Mas não vou fazer um post sobre os meus óculos escuros.

O meu primeiro celular durou oito anos. Foi um presente de Natal, na época em que ter celular era uma coisa muito especial, e eu ganhei para a minha “segurança” (não preciso dar uma descrição detalhada do meu pai para vocês o visualizarem dizendo isso). O modelo era um Voicer Fashion, o primeiro a ter conexão com internet, e eu acabava com os meus créditos só de ler o meu horóscopo, mas ele era muito bom. Até que, nove anos mais tarde, a bateria dele durava dois minutos. Então juntei os meus pontos, mudei para um plano pós-pago e por 1 real troquei por outro celular mais moderninho. Esse funcionou por cinco anos, metade do meu ideal de vida, muito bem. Até que uma chuva no final do ano passado o pifou de vez (ele já andava capengando).

No dia fatídico em que tive que correr atrás de um celular novo – para se vingar da minha falta de apego, o antigo desistiu de viver no final de semana que antecedia o Natal, e eu, que já não suporto shoppings, tive que entrar em um cheio de gente comprando loucamente –, enquanto tentava convencer a vendedora a não me extorquir com um plano XYZ que abateria cinco centavos no preço do aparelho ZYX, um rapaz chegou na loja da operadora perguntando pelo IPhone 5. Muito solícita, a vendedora respondeu que o aparelho não tinha chegado, mas que ele poderia deixar o nome e o telefone numa lista, e ser avisado quando o produto chegasse à loja.

– Meu nome já está na lista, respondeu o rapaz com uma expressão exasperada no rosto, mas estou passando aqui todo dia pro caso de vocês terem esquecido de me avisar…

Mesmo tendo adquirido um smartphone aquele dia – este que foi roubado na semana passada – não consigo entender a urgência daquele rapaz com a chegada daquele aparelho novo. O meu, que eu só adquiri por necessidade e porque os pontos do plano de fidelidade me permitiam pagar um preço módico (depois de roubada descobri o preço de mercado do negocinho que carregava na bolsa e quase desmaiei), tinha um monte de recursos que eu não teria usado nem em dez anos. Era uma gracinha de aparelho e ainda resistente à queda e à chuva (coitado, eu pedalava com ele no bolso!), mas com um monte de coisas que eu prefiro fazer diante do computador, no conforto da minha casa. E o botão de acesso ao Facebook (que eu não tenho) era mais fácil de achar que o comando usado para telefonar.

Eu tinha pago um décimo do valor de mercado pelo smartphone. Quem o afanou/ encontrou por aí, se o revendeu, pode ter passado adiante por 100 ou 200 reais. A operadora, junto à qual eu não juntei tantos pontos em três meses, tentou me fazer pagar o valor de um aparelho novo para ter o mesmo e ainda “atualizar” o meu plano para um mais caro 20 reais por mês (o que representa um gasto anual de R$240 a mais, quase a metade do tal aparelho). Ainda estou me perguntando, afinal de contas, quem é que lucrou com o furto que eu sofri.

Com dor no bolso e na consciência, adquiri um novo aparelho agora, menos moderno do que o anterior. Pela primeira vez na vida, eu de fato comprei um celular (e talvez por isso seja mais cuidadosa e não saia dando mole com a bolsa aberta por aí). Dor no bolso, porque tem uma lista de livros e discos que eu vou ter que esperar pra comprar no mês que vem. E na consciência, porque o número de escravos chineses por cujas condições subumanas sou parcialmente responsável com certeza aumentou com essas minhas últimas aquisições. Ainda tenho para mim que o celular é, afinal de contas, um telefone, um aparelho que serve para falar com as pessoas (e não tirar fotos, mandar e-mails, fritar pastel…). Quantos celulares uma pessoa precisa, de fato, ter ao longo da vida?

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